Histórias Inspiradoras de Mulheres que Sobreviveram à Violência Doméstica

HISTÓRIAS

FONTE: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2024/01/6789793-conheca-historias-de-mulheres-que-conseguiram-sair-do-ciclo-de-violencia.html#google_vignette

5/8/20254 min ler

Histórias de Sobreviventes

Psicológica, verbal, patrimonial ou física. A luta contra a violência doméstica e o feminicídio transcende o desejo da vítima em sair da situação. Para além da coragem, é necessária a presença do Estado, a disponibilização dos canais de atendimento, da polícia e da Justiça. Nesta reportagem, o Correio ouviu relatos de mulheres que conviveram com companheiros agressores por anos, mas conseguiram sair vivas e mais fortes da situação. Na alma, elas carregam as cicatrizes.

A Luta de Ana Paula Tavares:

As marcas pelo corpo de Ana Paula Tavares, 45 anos, depois de viver uma relação abusiva, se mantêm depois de quase 20 anos. A cabeleireira veio do Piauí para tentar a vida na capital do país, com o marido e as duas filhas de um relacionamento anterior. Ao chegar a São Sebastião, se viu obrigada a virar dona de casa, pois tinha que cuidar das crianças pequenas, enquanto o marido trabalhava.

Como boa parte das mulheres brasileiras, Ana era mantida financeiramente pelo marido, com quem se relacionou por cinco anos. Segundo ela, a dependência despertou comportamentos abusivos por parte dele. "Era comum as discussões mais acaloradas, os empurrões, os xingamentos. Em 2004, eu não tinha esse conhecimento de relacionamento abusivo e suas formas de apresentação, pois estava apaixonada e a dependência financeira fazia eu me manter no casamento", desabafa.

Assim como em muitos casos, Ana não reconheceu de imediato que era vítima de violência doméstica. No DF, 13.519 mulheres sofreram algum tipo de agressão no âmbito da Lei Maria da Penha em 2023, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). O número equivale aos meses de janeiro a setembro do ano passado e é maior que o de ocorrências registradas em todo 2022 (12.722).

Por ser aparentemente um homem "tranquilo", Ana não esperava que as discussões pudessem desencadear em um atentado contra a vida. Em 2004, ela viu a vida passar diante dos olhos, quando foi esfaqueada. "Estávamos voltando de um churrasco e, mais uma vez, discutindo. Cheguei em casa e fui ao banheiro e ele veio atrás de mim e me deu três facadas. Depois, me levou para a cama e me esfaqueou mais duas vezes. Tudo isso na frente das minhas filhas. Os vizinhos ouviram os gritos e chamaram a polícia", relatou.

O agressor foi preso e Ana ficou internada por 28 dias entre a vida e a morte. Doze anos depois de quase ter a vida ceifada, Ana Paula Tavares se casou novamente e vive com as filhas, o marido e dois netos, em Formosa (GO). "Desde o dia do ocorrido nunca mais tive contato com o ex. Fiz cirurgias reparadoras por causa das cicatrizes. Foi necessário seguir em frente, pois eu tinha as meninas para cuidar." Ela destaca ainda o apoio familiar como primordial para superar os traumas.

Profissional do ramo da beleza, a cabeleireira faz parte do Projeto Realize, iniciativa voltada para desenvolver a autonomia econômica de mulheres. "Queria falar para as mulheres que passam pelo o que passei para não se acovardarem. Devem denunciar, sim, procurar ajuda no governo ou na família e não devem dar uma segunda chance, pois a pessoa não vai mudar", orienta.

No começo, flores...

"No início ele era carinhoso e me tratava bem". É o que relata Gabriela* (nome fictício, a pedido da entrevistada). Mãe de dois filhos, foi casada com seu agressor durante nove anos e sofreu violência durante todo o casamento. Em seis meses de relacionamento, Gabriela viu a outra face do marido. "Os ataques eram psicológicos e físicos", comenta.

Mesmo com as agressões recorrentes, ela confessa não ter tido forças para sair da relação. "Tinha muito medo de me separar por causa das ameaças. Ele dizia que me mataria. É uma prisão psicológica muito grande. Tinha medo de sair e enfrentar a vida. Sem contar no receio de não conseguir criar meus filhos, apesar de que eu era quem sustentava as crianças", afirma.

Gabriela só resolveu tomar alguma atitude ao notar que a situação afetava os filhos, que presenciavam as agressões. "Principalmente o mais velho. Aquilo estava acabando com ele. Senti mais a dor dele que a minha. Pedi muito a Deus para me tirar daquele sofrimento. Além da minha vida estar destruída, a das crianças também estavam indo para o mesmo caminho", descreve.

Em 2014, Gabriela resolveu se separar depois de um episódio macabro. "Ele chegou em casa muito agressivo, brigando e começou a me bater. Lutei muito por minha vida. Passei a noite inteira sendo ameaçada com uma faca. Por fim, ele pegou uma arma de fogo e apontou para meu rosto. Tirava as munições e colocava de volta. Foi quando percebi que se não tomasse alguma atitude, aquele cara iria tirar minha vida", destaca.

Reconstruir o tempo perdido trouxe dificuldades e aflições, mas vitória ao final. "Tinha muita insegurança com tudo. Passei por grandes apertos, mas consegui. Hoje estou aqui para contar minha história." Atualmente, Gabriela trabalha como cuidadora de idosos, comprou o carro e a casa próprios e sente-se como uma sobrevivente.